sexta-feira, 13 de abril de 2007

Entrevista a José Almeida e Costa no Diário de Aveiro (11 de Abril)

José Manuel Almeida e Costa, co-fundandor da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, defendeu, em entrevista ao DA Saúde, que o núcleo familiar está, hoje, em «constante mutação». O Psicólogo é apologista de uma maior interferência dos terapeutas familiares na área hospitalar, nomeadamente nos IPO's e hospitais pediátricos, onde existem situações de crise emocional que importa acompanhar.

DA - Em que consiste a Terapia Familiar?
JAC - É um invento que surgiu durante os anos 50, que acaba por resultar, um pouco, da dificuldade que havia, na psiquiatria, de entender a esquizofrenia. Esta é uma das áreas de abrangência. A certa altura, começaram a perceber que havia comportamentos que apareciam, quando os familiares estavam hospitalizados e a família aparecia, ou seja que o paciente, que a certa altura estava a recuperar, começava a receber visitas e a piorar. Então, começaram, de alguma forma, a relacionar em que medida é que…

DA - … o conceito de família…JAC - … o conceito de família afectava ou não o comportamento ou o sintoma de esquizofrenia. Este conceito nasce na Califórnia e na Costa Oeste dos Estados Unidos, onde começaram a abrir a ideia do conceito da relação individual à interacção. Passaram a preocupar-se com problemas de comunicação.

DA – Quando é que ela surge em Portugal?
JAC – Surge há cerca de trinta anos com um grupo de estudo, composto por oito pessoas, dos quais trabalhavam na droga, dois psicólogos, um trabalhava no centro de saúde mental infantil, e o resto trabalhava na clínica de psiquiatria do Hospital de Santa Maria.

DA – Porque decidiram criar a Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar?
JAC – Por acaso e necessidade. Eram três sítios diferentes, que trabalhavam com famílias e com pacientes e que, de repente, pensaram: porque havemos de deixar a família de fora? Depois, percebemos que não éramos os únicos a pensar nisso.

DA – Qual é a situação da terapia familiar em Portugal?
JAC – Acho que a terapia familiar está, neste momento, a dar uma grande volta, porque, de facto, em termos institucionais, mantém, ainda, um interesse grande. Há locais onde deveria haver uma interferência maior junto das famílias do que há. Estou a pensar, por exemplo, no IPO, nos hospitais pediátricos, etc., onde, efectivamente, ela não aparece muito. Ou seja, são situações que desequilibram as famílias e era importante que a terapia familiar interviesse, bem como ter um fazer mais uma intervenção de risco.

DA – Até porque há famílias completamente desestruturadas.

JAC – Sim, as chamadas famílias multiproblemáticas. Está na moda usar este conceito, porque multiproblemáticos somos todos. Há uma ideia generalizada de que o conceito é mais aplicado, se quiser, às famílias frustres, de baixo nível cultural, vivendo mal do ponto de vista económico e inventaram este nome de famílias multiproblemáticas, ainda que hajam famílias multiproblemáticas em contextos de classe social alta.

DA – Quais são as maiores necessidades da Terapia Familiar em Portugal?
JAC – A necessidade é conhecida. A Terapia Familiar foi introduzida em Portugal e na Europa com toxicodependentes, pelo Centro de Estudos e Profilaxia da Droga e era considerado arriscado e pouco útil trabalhar com toxicodependentes. Hoje, toda a gente trabalha. Hoje, qualquer CAT (Centro de Atendimento a Toxicodependentes), em Portugal, arrisco a dizer, tem uma visão “familiarista”, ou seja, fazem uma intervenção mais alargada e há centros, hoje, que estão mais virados a ir ao encontro do local onde as pessoas vivem.

DA – Na área hospitalar, seria importante e imprescindível avançar com este conceito?

JAC – Acho que seria, porque se tratam de situações de crise. Repare-se que há, também nos Estados Unidos, Centros de Crise de Intervenção Familiar, ou seja, centros que são chamados e eles vão a casa das pessoas e aos hospitais e há nos hospitais, também, muitos dispositivos montados para fazer o acompanhamento das famílias. Por exemplo, quando se tem de comunicar uma má noticia, não é como cá, há todo um trabalho prévio antes das coisas serem consumadas e, depois, há um acompanhamento “ a posteriori”. Antigamente, colocavam-se as pessoas à porta e, hoje em dia, já não é assim.

DA – Há uma maior transparência…JAC – Mais até nos médicos de família e foi até o Daniel Sampaio que introduziu, de alguma forma, este conceito na medicina geral e, hoje, é uma disciplina obrigatória.

DA – Há sensibilidade das famílias para receberem esta terapia?
JAC - Há, depende também do terapeuta. Nunca tive a menor das dificuldades.

DA – Não há uma reacção defensiva…?
JAC – As coisas têm mudado um pouco. Antigamente, por exemplo, em relação à toxicodependência, os pais estavam muito preocupados; hoje, os pais já têm uma cultura sobre a droga maior do que tinham. Hoje, vê-se mais a Terapia Familiar a trabalhar com casais e filhos de toxicodependentes e os pais já estão noutro patamar.

DA – Face a que patologias se recomenda a Terapia Familiar?
JAC – Penso que todas são passíveis de Terapia Familiar, depende muito da postura. Penso que todos os terapeutas familiares mudaram um pouco a sua postura e não se preocupam em saber muito o que se passa com o indivíduo, mas interessa-lhes saber como o indivíduo está inserido no meio. Portanto, de alguma forma, hoje em dia, estamos interessados em saber como é que determinados indivíduos que estavam destinados a ter um mau futuro, conseguem ter um bom futuro. Por exemplo, como é que é possível que de um determinado bairro, de repente, aparecem pessoas que seguem uma carreira e acabam no MIT.

DA – Para si, enquanto psicólogo, é mais difícil trabalhar um núcleo familiar ou um individuo?
JAC – Hoje, trabalho uma pessoa, individualmente, numa perspectiva familiar.

DA – Como analisa o núcleo familiar dos nossos dias?

JAC – O núcleo familiar está, hoje, em constante mutação. Já não há família de papá, mamã e filhos. Hoje o que chamamos de Terapia Familiar começa a ser um eufemismo. A Família está em constante mutação.

DA – E hoje há a “aldeia global”…
JAC – E essa é “outra história”, em que cada vez mais as pessoas passam a vida sozinhas, agarradas a um computador e, hoje, há uma perspectiva completamente diferente das relações interpessoais.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns pela entrevista!
Dr. Almeida e Costa, há muito que o "sigo", nas lides da Terapia Familiar, tendo constituido uma das minhas referências teórico-práticas.
Lídia